top of page

O LUTO DOS QUE FICARAM

  • Foto do escritor: Natalia Nascimento
    Natalia Nascimento
  • 6 de jan. de 2023
  • 4 min de leitura

Atualizado: 9 de mai.


ree

O Luto por Suicídio: Dor, Culpa e a Importância do Acolhimento


Quando uma pessoa comete suicídio, inicia-se um luto profundo e muitas vezes silenciado por aqueles que permanecem — seus familiares e pessoas próximas. Esses enlutados necessitam de atenção e cuidado redobrados, pois essa perda é frequentemente acompanhada por sentimentos intensos de culpa, vergonha, confusão e abandono.


Segundo Bowlby (1998), a morte por suicídio é uma perda “especial”, pois é percebida como desnecessária, gerando uma tendência maior à busca por culpados. Isso torna o processo de luto ainda mais complexo, impactando profundamente a saúde emocional dos sobreviventes.


Um Luto Marcado pelo Estigma e pelo Silêncio


O suicídio continua sendo um tabu em nossa sociedade. Isso faz com que o luto por suicídio seja ainda mais doloroso do que o luto por mortes naturais, pois carrega mistérios, julgamentos e uma carga simbólica de violência. Os sobreviventes tentam compreender as razões que levaram à decisão fatal, mas nem sempre encontram respostas. Surge, então, uma avalanche de emoções: medo, vergonha, culpa, raiva, alívio e desamparo.


Como explica Moura (2006), a família tende a enfrentar dificuldades na elaboração do luto, mergulhando em uma busca prolongada por sentido e compreensão diante do ato.


Quando os Fantasmas Permanecem


As circunstâncias e causas da morte influenciam diretamente no processo de elaboração do luto. Como relatam Mariano & Macedo (2013):

“Em um suicídio o corpo fica no cemitério, mas há diversos fantasmas que vão acompanhar os parentes por muito tempo. Quem sabe por toda a vida.”

Esses “fantasmas” são os sentimentos não elaborados, as perguntas sem resposta, os segredos mantidos e o peso da ausência. Cada membro da família é afetado de forma diferente. Para Fukumitsu (2013), por exemplo, um filho que perde um dos genitores por suicídio pode viver um intenso sentimento de desamparo. O suicídio parental torna-se um divisor de águas — um antes e um depois na história da criança ou adolescente.


A Dor dos Pais


Quando a perda é vivida pelos pais, a dor e a culpa são ainda mais intensas. O ciclo natural da vida se rompe, e junto com ele surgem questionamentos internos e externos sobre possíveis falhas na criação do filho. Pais e mães revivem momentos, procuram sinais não vistos, se cobram e, muitas vezes, se sentem julgados pela sociedade.


Jamison (2010, apud Fukumitsu, 2013, p. 73) descreve de forma sensível esse tipo de luto:

“O suicídio é uma morte como nenhuma outra, e aqueles que são deixados para lutar com isso devem enfrentar uma dor sem igual. Eles são deixados com o choque e com o infindável ‘e se’ (...), com a raiva e a culpa e, vez por outra, com um terrível sentimento de alívio.”

O Julgamento e o Isolamento dos Sobreviventes


A dor de quem fica após o suicídio pode ser agravada pela reação dos outros. O silêncio desconfortável, a falta de acolhimento, os olhares de julgamento — tudo isso contribui para o isolamento e a autossabotagem emocional. Como mostra a pesquisa de Scavacini (2014), mulheres enlutadas tendem a relatar mais sentimentos de culpa e frustração, sofrendo de forma ainda mais intensa com o luto.


Segundo Fontenelle (2008), familiares de pessoas que cometeram suicídio são mais evitados socialmente e frequentemente responsabilizados, o que contribui para a deterioração dos laços familiares e a dificuldade de ressignificação da perda. O luto se torna um processo solitário e, muitas vezes, silenciado.


O Luto Complicado e a Necessidade de Acolhimento


Devido ao estigma envolvido, aos sentimentos intensos e à pressão social, o luto por suicídio é considerado um tipo de luto complicado. Além do sofrimento emocional, os enlutados enfrentam investigações, comentários indevidos e uma constante tentativa de explicar o inexplicável.

É por isso que o acompanhamento psicológico, seja individual ou em grupo, é essencial para a elaboração saudável deste luto. A psicoterapia oferece um espaço seguro para sentir, refletir e reconstruir — um lugar onde a dor pode ser ouvida e cuidada, sem julgamento.


Se você está passando por isso — ou conhece alguém que esteja —, busque ajuda profissional.


Você não precisa enfrentar essa dor sozinho.O acolhimento, o reconhecimento e a escuta são fundamentais para que o luto possa, aos poucos, se transformar em elaboração e cuidado.





📚 Referências Bibliográficas

  • BOWLBY, John. Perda: tristeza e depressão. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. (Trilogia do Apego, v. 3).

  • FINE, Carla. No time to say goodbye: surviving the suicide of a loved one. New York: Broadway Books, 1997.

  • FONTENELLE, Cristiane. Sobreviventes do suicídio: o luto de quem fica. Trabalho de Conclusão de Curso (Psicologia) – Universidade São Marcos, São Paulo, 2008.

  • FUKUMITSU, Kátia. Sobreviventes enlutados por suicídio: entre segredos e silêncios. São Paulo: Summus, 2013.

  • GRAD, O.; ZAVASNIK, A.; GROLEGER, U. Suicide of a close relative – viewpoint of the bereaved. Crisis, 1997, v. 18, n. 2, p. 63-67.

  • JAMISON, Kay Redfield. Night Falls Fast: Understanding Suicide. New York: Vintage Books, 2010. [citada por Fukumitsu, 2013].

  • MARIANO, Eliane; MACEDO, Cristiane. Luto por suicídio: uma dor marcada pelo estigma. Revista Brasileira de Psicologia, v. 1, n. 2, 2013, p. 1–10.

  • MOURA, Mônica. A morte e o morrer na infância e adolescência: contribuições da psicologia hospitalar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.

  • NESS, David E.; PFEFFER, Cynthia R. Severe Grief Reactions: A Guide to Recovery. 1999. [apud Fontenelle, 2008].

  • SCAVACINI, Karen. Prevenção do suicídio e posvenção: uma proposta de intervenção para sobreviventes enlutados por suicídio. Tese (Doutorado em Psicologia da Saúde) – Universidade Metodista de São Paulo, 2014.

Comments


psi.natalianascimento.com

  • alt.text.label.Instagram

©2023 por Psicóloga Natalia Nascimento. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page